Curando dores, desfazendo temores... (parte 4)

sábado, 31 de maio de 2008

Considerações finais

"...muitas vezes basta ser
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita..."
( Cora Coralina )

Após exposição dos aspectos sociais, emocionais e médicos relacionados à violência sexual, faz-se necessário enfatizar os aspectos humanos.
Trabalhar no atendimento a vítimas de violência sexual significa um aprendizado constante e intenso, porém gratificante por proporcionar um crescimento humano importante para o profissional médico. Nossa formação acadêmica é voltada para estudos que nos levem a estabelecimento de diagnósticos e tratamentos, com clareza e precisão. Em um serviço de atenção a vítimas de violência sexual nos defrontamos, a todo instante, com situações muitas vezes nunca antes imaginadas, tanto no que se refere ao ato da violência como em relação às reações apresentadas pelas suas vítimas e as implicações na sua família, no seu ambiente de trabalho, na sua vida como um todo. Em decorrência disso, cada paciente merece um tratamento individualizado, com atenções voltadas às necessidades de cada um.
Os cuidados médicos com esses pacientes ultrapassam a aplicação de protocolos. Não podemos descuidar do estado de extrema fragilidade emocional em que essas pessoas se encontram nem, tão pouco, deixar de ter a consciência de que eles buscam em nós não somente medicamentos que os tire dos riscos com relação a sua saúde mas, também, uma palavra de esperança, de apoio, de conforto. Nos tornamos, naquele momento, o "amigo" até então desconhecido.
Atenção especial devemos ter com a revitimização desses pacientes, evitando perguntas desnecessárias, respeitando seus limites, explicando com clareza cada procedimento a ser realizado. Devemos deixá-los a vontade para expor seus medos e incertezas. Nossos pacientes precisam se sentir seguros, apesar do momento delicado que atravessam, para que entendam e sigam as orientações dadas.
De grande importância também são os cuidados a serem tomados com as crianças que sofrem abuso sexual. Nesses casos, a violência além de ser crônica, na grande maioria das vezes é causada por pessoas muito próximas das crianças e trazem com ela relevantes implicações sociais e emocionais.
Registramos ainda a colaboração essencial dos parceiros do VIVER que são DST-COAS, CREAIDS, IPERBA e Hospital Couto Maia, responsáveis respectivamente pelo controle sorológico e pesquisa de patógenos de transmissão sexual, fornecimento dos ARV e antibióticos, interrupção legal da gestação decorrente da violência sexual e profilaxia para Hepatite B.
Agradecimentos especiais a toda a equipe do VIVER pelo envolvimento e dedicação à causa.

"Penso conforme o tempo,
danço conforme o passo,
passo conforme o espaço,
amo conforme a fome,
como conforme a cama,
sinto conforme o mundo,
mas no fundo eu não me conformo"
( Marta Medeiros )

Solange Portela, ginecologista
Valéria Macedo, ginecologista





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Curando dores, desfazendo temores... (parte 3)

sexta-feira, 16 de maio de 2008


Os Agravos da Violência

" A luz ao fim do túnel é o brilho dos seus olhos"
( Damário da Cruz )

A violência sexual é um fenômeno universal que, por sua elevada incidência bem como pelos agravos que determina, é considerada um problema de saúde pública, representando hoje uma das principais causas de morbimortalidade, especialmente na população jovem, atingindo crianças, adolescentes, homens e mulheres.
Trabalhar em um serviço que presta este tipo de atendimento faz com que nós, profissionais da área de saúde, tenhamos não só conhecimentos técnicos sobre clínica médica, medicina legal e sexologia forense como também sensibilidade suficiente no trato com essas pessoas no sentido de evitar a revitimização.
Segundo o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente, todos os profissionais de saúde e educação têm o dever de denunciar os casos suspeitos ou confirmados dos quais tenham conhecimento. A denúncia deve ser feita ao Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e Juventude local, sem prejuízo de outras medidas legais. O não cumprimento deste artigo prevê multa de até 40 salários mínimos.
Essas pessoas chegam para atendimento médico no Viver após o exame pericial no Instituto Médico Legal e acolhimento no Serviço Social. Neste momento o grande temor vivido por eles se concentra nos riscos de contrair as infecções sexualmente transmissíveis (IST), principalmente o HIV, e, no caso das mulheres, de vir a engravidar em decorrência da violência sofrida.
-"...Doutora, vou pegar AIDS ?..." - esta, com certeza, é a mais frequente pergunta que ouvimos na maioria dos atendimentos. Neste momento devemos criar um vínculo de confiança com estas pessoas, passando para elas dados e informações quanto aos agravos sofridos. A relação médico-paciente estabelecida a partir daí será determinante para que se cumpram as normas previstas no Protocolo do Ministério da Saúde para profilaxia das ISTs, ou seja, que haja adesão por parte da vítima.
Após anamnese detalhada com foco na data da última menstruação, métodos contraceptivos, informações sobre o parceiro sexual, etc, iremos nos deter na história da violência. As profilaxias adotadas variam de acordo com a violência sofrida. As situações que oferecem maior risco são:

  • sexo anal desprotegido
  • lesões das mucosas
  • agressores sabidamente usuários de drogas injetáveis
  • outros comportamentos de risco para HIV e demais ISTs
  • número de agressores envolvidos

A subnotificação de dados sobre violência sexual e o pequeno número de trabalhos científicos realizados nesta área são fatos que dificultam o atendimento médico.

Um outro detalhe importante no que diz respeito às prescrições medicamentosas é o prazo decorrido entre a violência e o atendimento médico. Quanto mais cedo o atendimento médico acontecer, melhor será o resultado.

Os anti-retrovirais devem ser administrados até 72 horas e usados por 4 semanas consecutivas. Já a profilaxia para as ISTs bacterianas devem ter inicio no mesmo prazo e preferencialmente em doses únicas, conseguindo assim uma maior adesão ao uso dos antibióticos.

Para a profilaxia da Hepatite B temos que avaliar a condição vacinal prévia da vítima. Também aqui seguimos o esquema adotado pelo Ministério da Saúde.

Faz parte também deste protocolo o acompanhamento laboratorial pelo período de 01 ano, quando serão realizadas as sorologias e pesquisas de patógenos no trato genital.

Sabe-se que 16% das mulheres que sofrem violência sexual contraem algum tipo de IST e que 1 em cada 1000 é infectada pelo HIV, conforme literatura internacional.

Outra consequência grave da violência sexual é a gravidez pelas reações psicológicas, sociais e médicas que provoca, por isso mesmo vista como uma segunda violência, difícil de ser aceita pela maioria das mulheres. Estima-se que 1 a 5% dos estupros resultem em gravidez.

A profilaxia da gravidez pode ser feita até 5 dias após a violência, de preferência com Levonorgestrel 0,75 em 2 tomadas, já que esta droga não interage com os anti-retrovirais. Caso o prazo de 5 dias seja perdido, poderá ser praticado o aborto legal até a 20a semana de gestação, conforme o artigo 128 do Código Penal Brasileiro que estabelece que não se pune o aborto praticado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro. Tal procedimento deverá ser precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, seu representante legal.

Acima das 20 semanas só nos resta o encaminhamento para o pré-natal de alto risco e acompanhamento psico-social e jurídico.

Bibliografia:

  • Centro de Referência Estadual na Prevenção e Controle das DSTs - Manual do Manejo Clínico das ISTs para Profissionais da Atenção Básica de Saúde - SESAB - 2004
  • Estatuto da Criança e Adolescente
  • Ministério da Saúde - Oficina de Capacitação sobre Profilaxia de DST/HIV/AIDS e Hepatites Virais em Situação de Violência Sexual e outras formas de Exploração Sexual - Brasilia - DF - 2002
  • Protocolo do Ministério da Saúde para Atendimento a Vítimas de Violência Sexual - 2002
  • ROMERO, Prof.Mauro - Doenças Sexualmente Transmissíveis - Manual de DST - 1995
  • FRANÇA, Genivaldo Veloso de - Medicina Legal 5a edição
  • FORSTER GE et al.- Genitorium Med., 62, 1990

Solange Portela, ginecologista

Valéria Macedo, ginecologista

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