Curando dores, desfazendo temores... (parte 2)

quinta-feira, 17 de abril de 2008


"...é pela paz que eu não quero seguir admitindo"
Falcão ( "O Rappa" )


As pessoas que chegam até nós, após exame pericial no Instituto Medico Legal Nina Rodrigues, trazem no corpo as marcas da violência, nos olhos uma tristeza profunda e na alma a fragilidade causada pelo abalo à sua alto-estima. São, estatísticamente, na sua maioria, crianças, mulheres jovens e adolescentes.
Cabe aqui uma descrição detalhada desses três principais grupos.

As crianças chegam ao Serviço apresentando medo, insegurança, vergonha, sentimentos estes comuns a todas as vítimas de violência sexual, além de encontrarmos alguns agravantes que dão proporções ainda maiores ao já tão sério problema. Tratamos aqui da não aceitação da existência da violência por parte dos familiares, muitas vezes as próprias mães que, por questões as mais diversas tais como culturais, sociais, econômicas, etc, se recusam a encarar os fatos, tornando as crianças ainda mais vulneráveis aos seus agressores. Tratamos aqui também dos maus tratos físicos e psicológicos sofridos por essas crianças que muitas vezes fazem ainda mais distante para elas a possibilidade de contar para alguém sobre a violência que vêm sofrendo.

"...e por que essas manchas nas suas pernas ?
- Eu cai, brincando com meu irmão.
Depois de alguns minutos : - Minha mãe me deu uma surra com o cinto quando eu contei a ela..."
(criança, sexo feminino, 10 anos, vítima de abuso sexual crônico pelo vizinho).

Não podemos deixar de ressaltar os danos e consequências das tentativas de explorar sexualmente crianças, através de doces, moedas, brinquedos, etc, onde os adultos se valem desse "direito" de exercer seu poder sobre pessoas já tão indefesas e carentes.

"...se eu deixasse, ele me dava R$ 1,00...se eu não deixasse ele me dava R$ 0,50..." (ainda a mesma criança)

Temos que ficar atentos ao fato de que essas crianças vitimizadas sexualmente correm, entre outros, os graves riscos da revitimização e de virem a se tornar agressores ao longo de suas vidas.

Com referência às mulheres jovens, atingidas principalmente pela chamada "violência de rua", estas chegam ao Serviço trazendo medos e dúvidas com relação à gravidez indesejada e risco de contágio pelo HIV. Sentem-se ultrajadas nos seus objetivos de vida, visto que muitas vezes a agressão ocorre no caminho de ida ou volta para o trabalho, faculdade ou outras atividades, deixando nelas um sentimento de profunda indignação e humilhação. Muitas vezes podemos perceber nas entrelinhas dos relatos que ouvimos que, além da necessidade doentia de "satisfação" sexual do agressor, existe também o "prazer" em destruir os ideais daquela mulher.

"...eram 5 , doutora...eles me espancaram até eu quase desmaiar...depois vieram um a um...depois me jogaram na lagoa...por que isso comigo, doutora ?..."
(relato de L.S.C., 32 anos, violentada no dia do seu aniversário).

Já as adolescentes, que correm igual risco com relação à violência de rua, sofrem também muitas vezes a violência doméstica, praticada por pais, tios, amigos da família que agem como se tivessem "poder" sobre aquele corpo frágil e vulnerável.
Essas meninas carregam com elas, além da dor pelos sentimentos traídos dentro do próprio ambiente onde vivem, um sentimento de culpa que abala seriamente sua alto-estima.

É necessário que se desfaça o mito de que a violência sexual está diretamente ligada à pobreza e carências das pessoas. Sem dúvida, as classes menos privilegiadas enfrentam problemas sociais e culturais que facilitam os abusos sexuais, porém, na verdade eles ocorrem também nas classes mais abastadas da sociedade.

Solange Portela, ginecologista
Valéria Macedo, ginecologista

Um comentário:

Tá-se bem! disse...

Estes relatos fazem-me muita confusão... é impressionante a maldade de que o ser humano é capaz! E é bem verdade que essas situações ocorrem (infelizmente) em todos os extractos sociais...

É urgente estarmos atentos ao que se passa a nossa volta e ajudar a travar esse tipo de violência!

Bom fim de semana!